segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Problemas Modernos

Por Manoel de Souza

Há tempos ensaio escrever um artigo sobre scans de quadrinhos. Quando conheci essa prática, fiquei impressionado. Já trabalhei como editor de arte e sei bem como o processo é trabalhoso. Alguém escaneia página por página de uma revista, organiza as imagens, salva tudo em formato cbr (ou cbz) e posta em sites ou disponibiliza gratuitamente por meio de softwares de compartilhamento (como o BitComet).

O resultado é um arquivo muito parecido com o de apresentação do Powerpoint com diversas opções de visualização. Cada revista ocupa cerca de 4 ou 5 megas, o tamanho parecido de uma música em mp3. Daí vem a surpresa: basta uma pesquisa na net e logo aparecem coleções completas de Amazing Spider-Man ou Action Comics, por exemplo. Isso mesmo: completas e devidamente organizadas.

Claro que esse fato tem implicações legais, pois viola direitos autorais de artistas e empresas, coisa que, infelizmente, pouca gente se importa, ainda mais no Brasil. Tão sério quanto isso são as questões éticas e logísticas envolvidas. Se os leitores só consumirem scans e deixarem de comprar gibis impressos, o mercado quebra. Por outro lado, os scans são um tiro no pé para seus próprios adeptos. Se acabar a mídia impressa, logo não haverá mais o que escanear.

Então, basta condenar a prática dos scans e a situação está resolvida? Acho que não. É quase impossível controlar o tráfego de arquivos pela internet e condenar os responsáveis pelos sites que disponibilizam esse material. E a tendência é que a prática torne-se tão corriqueira quanto já ocorre com músicas e vídeos. Uma solução seria investir em HQs feitas especialmente para a net, mas há uma grande barreira: é difícil convencer as pessoas a pagar por algo que podem encontrar gratuitamente ou mais barato por meio da pirataria.

Obviamente, scans são prejudiciais para as editoras e não só as norte-americanas. Meses atrás, em uma de nossas comunidades da Mundo no orkut, um membro inocentemente publicou um link de sites onde podia-se baixar quadrinhos, inclusive material editado por empresas brasileiras, como um encadernado do Surfista Prateado (Mythos) e o livro Desvendando os Quadrinhos (Makron Books).

Pedi para o moderador da comunidade que o tal tópico fosse retirado. Ler scans e deixar de comprar a obra original na banca ou livraria é sacanagem, pois o trabalho de editores sérios deve ser recompensado. Desvendando os Quadrinhos é um puta livro e merece ser comprado. No caso da música, a situação é grave, mas os artistas pelo menos têm os shows ao vivo para se sustentar. No caso de revista em quadrinhos – em que existe pouca publicidade paga –, artistas e editores dependem quase que exclusivamente do que é vendido em bancas, livrarias ou por assinatura.

Não gosto de ler scans. A mudança de páginas é meio chata, o impacto das páginas duplas se perde, não há a agradável textura do papel e o calor do notebook no colo me enche o saco. Para mim, scans servem mais para pesquisas durante a criação de reportagens da Mundo. Fora que sempre fico com um pé atrás se eles são confiáveis. Graças ao Photoshop, é muito fácil mudar os diálogos ou mexer no conteúdo de uma HQ escaneada. Ok, ok, não dá para esperar excelência em produtos piratas. Aliás, nem sei se isso é pirataria pois não tenho notícia de alguém que tenha ganho dinheiro com scans. A galera parece fazer isso pela diversão mesmo e há até quem traduza as edições estrangeiras deixando os balões em português.

Mesmo assim, admito que existe um lado muito positivo nessa história toda. Scans são ótimos para se conhecer raridades que não estão mais nas bancas ou nunca estiveram. Caso de gibis obscuros da Era de Ouro, fanzines regionais com tiragem limitadíssima ou trabalhos independentes ainda inéditos no Brasil. Tenho uma filosofia: se eu gosto de uma revista que li na internet, me esforço o possível para comprar sua versão impressa. Faço questão de comprar tudo que acho legal, especialmente o material brasileiro.

Acredito que só assim podemos melhorar o mercado e pagar honestamente quem trabalha direito. Quem curte quadrinhos precisa consumir quadrinhos. Claro: mas só deve comprar o que realmente gosta e acha bem-feito. Não adianta comprar só para ajudar. Tanto o assistencialismo quanto a pirataria são ruins para o mercado.

Outra solução para amenizar o impacto negativo dos scans talvez seja criar versões digitais das revistas nos sites das próprias editoras. A cada edição da Mundo postamos uma versão que pode ser acessada gratuitamente. Mas, só consegue ampliar as imagens e ler o texto quem paga metade do valor de capa. Na prática, isso funciona mais como um preview do conteúdo da revista, pois já reparei que nossos leitores curtem mesmo é a Mundo em papel.

Para finalizar, uma dica do meu amigo Maurício Muniz. O site Wowio (www.wowio.com) oferece centenas de gibis – infelizmente achei pouca coisa de super-heróis – que podem ser lidos online. Baixar uma cópia custa 99 centavos de dólar. Experimentei e achei legal. Mas ainda prefiro meus gibis empoeirados...

Manoel de Souza (manoel.souza@europanet.com.br) é editor da revista Mundo dos Super-Heróis. Este artigo foi publicado originalmente na seção Etc&Tal da edição 14 da revista e reproduzido com autorização do autor.

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